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6.5.11

Passeio Público

(Um homem a sério)
De todas as questões humanas, a única que se encontra resolvida desde o início é a inevitabilidade da morte. Sempre que notificava os amigos acerca do seu estado de saúde, Marcel Proust não perdia a oportunidade de declarar que estava perto de morrer. Fê-lo durante os últimos dezasseis anos da sua vida até que, no dia 18 de Novembro de 1922, o autor de “Em busca do tempo perdido” morreu mesmo. Como assegurou outro escritor, o poeta Ruy Belo, a morte é a única saída.

Ainda assim, custa-nos quando alguém morre. Sobretudo, quando a pessoa que morre simboliza um venábulo de esperança, um trilho de rectidão e generosidade. António Luzio Vaz (1941-2011) era uma dessas pessoas. Talvez alguns se recordem apenas do ilustre Orfeonista ou do notável advogado mas Luzio Vaz deverá ser comemorado, sobretudo, pela sua dedicação às causas, às solicitações e aos desassossegos dos estudantes na Academia de Coimbra, ele que foi administrador dos Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra durante trinta anos. Luzio Vaz começou por trabalhar como tradutor na gare parisiense de Austerlitz; mais tarde foi operário e distribuidor de batatas na Alemanha. Encontrou engulhos e dificuldades que, sem dúvida, lhe moldaram o carácter, encaminhando-o no sentido de suavizar e aligeirar as aflições dos outros.

Poucas vezes um só homem ofereceu tanto: provedor dos necessitados, solidário e conciliador, António Luzio Vaz concebeu e produziu uma obra de inestimável honorabilidade e grande humanismo. A sua biografia não só não desmerece a história de grandeza da Universidade como lhe acrescenta uma dignidade poucas vezes vista. Luzio Vaz foi um homem sério e muito mais do que isso: foi um homem a sério.

(29/04 no Jornal de Notícias)

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20.4.11

Campo pequeno

«There's nothing like a little violence to tone up the system.
(J.G. Ballard, Super Cannes, p. 171).

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16.4.11

Passeio Público

(Tempos interessantes)

Aproximam-se tempos interessantes – e nem sequer me refiro ao reinado façanhudo do FMI. Coimbra é demasiado grande para que as minudências do défice lhe melindrem os ventos pujantes da história. O que acontece (ou melhor: o que parece que vai acontecer) é simples: daqui a uns meses irão coabitar na cidade duas realidades “morais” aparentemente opostas; por um lado, vão iniciar-se em Setembro as operações de mudança de sexo nos Hospitais da Universidade (HUC), por outro, o próximo bispo de Coimbra deverá ser o vigário regional em Portugal da Prelatura pessoal da Opus Dei, o padre/engenheiro José Rafael Espírito Santo.

Um ponto prévio: com o parágrafo anterior não pretendo sugerir que a Opus Dei é contra as operações de mudança de sexo. Isso equivaleria a levantar uma lebre que não desejo seguir. A Obra não é conhecida pelo liberalismo dos costumes mas parece-me que, quando se pensa e raciocina plenamente a partir do Evangelho, quando se está em relação jurídica com Deus, a única via é a do amor, ou pelo menos a do respeito. Respeita o outro como a ti mesmo: eis um mandamento interessante, e tão pouco considerado. Não é uma rendição da fé, mas sim um reconhecimento da ortodoxia: a de que o Outro deve ser amado e respeitado.

Chesterton achava que as rosas eram vermelhas por opção: por opção divina. É, portanto, lícito pensarmos, seguindo o escritor (cristão), que também as pessoas são como são por opção divina (que me perdoem os darwinistas pela sugestão criacionista). Gordas ou magras, estudantes ou futricas, assim ou assado. Não interessa. São igualmente respeitáveis. Por isso é tão importante a existência de uma unidade de cirurgia reconstrutiva genito-urinária e sexual nos HUC. Para que o respeito possa começar em casa, no nosso corpo para o mundo.

(Ontem, 15/04, no Jornal de Notícias)

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8.4.11

Our big crisis

2.4.11

Passeio Público

(Mea culpa)

É fácil julgar o passado com a vantagem do tempo. E, por vezes, é injusto. No entanto, a atribuição do doutoramento “honoris causa” ao ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra parece ser um bom momento para ajustar contas com o passado do galardão – sem ressentimentos ou desejos espúrios de desforra. O pretérito deslustroso consubstancia-se num nome: Francisco Franco Bahamonde.

Os agraciados com o doutoramento “honoris causa” pela Universidade de Coimbra são muitos, representando várias sensibilidades culturais, religiosas e políticas. Mas nenhum nome na lista de galardoados me causa tanta repulsa como o do caudilho espanhol. Os crimes que Franco cometeu (ou que foram directamente inspirados por ele e pela sua ideologia) foram tantos que nem vale a pena tentar enumerá-los – para uma noção grosseira indaguem-se porventura os livros de história e a wikipédia. Basta referir, como exemplo, que o ditador espanhol mandou executar mil vezes mais pessoas que Benito Mussolini, indubitavelmente um crápula da pior espécie.

O reconhecimento – em ritmo de mea culpa – de que existem nomes “errados” na lista de doutoramentos “honoris causa” pela Universidade de Coimbra não implica uma rasura a posteriori desses nomes; não se deseja a censura indigna de quem mutila as palavras de autores mortos, ou reescreve os seus parágrafos em norma puritana, como se algumas expressões fossem pénis minúsculos de estátuas imperiais.

A desmesura desse tipo de consciência implica, porém, uma reflexão cuidada, um apego maior aos valores humanísticos, éticos e morais de uma determinada personagem – sem exaltações ideológicas. Ao Carbónico sucederá sempre um Pérmico de valores diferentes, um tempo de escrutínio do que passou. Lula da Silva obscurece, pois, Francisco Franco – não porque é um homem de esquerda, mas porque é um Homem.

(Ontem, 01/04 no Jornal de Notícias)

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12.3.11

Passeio Público

(Para além da paróquia)

É preciso muito mais que o alinhamento estatístico dos avanços e recuos da demografia, cultura ou economia, em tabelas acessíveis e textos concisos, para que acabe a ignorância atávica do Estado em relação ao país. A criação periódica de um ficheiro minucioso das desgraças lusas não implica uma meditação omnisciente dos mais altos poderes da nação nem permite, por si só, a sua compreensão e eliminação. Ainda assim, afiguram-se óbvios os méritos de uma operação como os “Censos 2011”.

No final deste ano, as informações estatísticas com atraso de uma década serão substituídas por dados novos, por vezes melhores, outras vezes piores, mas seguramente mais congruentes com a “realidade” portuguesa destes dias. Os recenseamentos gerais da população, com os seus vícios conceptuais e logísticos, advertem-nos com constância periódica que é necessário confrontar as aparências dos ciclos temporais breves. Avisam-nos que os olhos não devem deixar de ver para além do fino véu da inconsciência mediática.

É, por isso, estranha (e não sei se ilegítima) a tomada de posição do presidente da Junta de Freguesia de Santa Clara, José Simão: o autarca declarou publicamente que não irá colaborar com os “Censos 2011”. Percebe-se a ansiedade de José Simão com as supostas falhas no processo de recenseamento, que irão redundar em contagens mal feitas de residentes, prejudicando as já depauperadas contas das freguesias. No entanto, se as preocupações do autarca se podem justificar, o mesmo não se pode dizer das acções que pretende tomar (ou não tomar) e que poderão repercutir-se no bom funcionamento dos inquéritos e, em última análise, na qualidade dos dados obtidos.

No contexto da grande inquirição estatística que corresponde aos “Censos 2011”, cujas consequências possuem uma relevância de inequívoca dimensão nacional, talvez não seja má ideia pedir aos cidadãos (e, sobretudo, aqueles com mais responsabilidades em termos de governação) que esqueçam o próprio umbigo e que olhem para além das desusadas fronteiras do amor-próprio paroquial.

(Ontem, 11/03 no Jornal de Notícias)

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7.3.11

Isto tudo é o quê?

Não devemos perder tempo com o que se passa à nossa volta, com o que nos toca nesta geografia da revolução. O que se passa à escala de uma vida não tem muita importância, afirmou Levi-Strauss - como sempre, lúcido e sagaz. Este tempo cheio não nos pertence, aos académicos que sobrevivem em areias pacíficas de praia. Ainda vão nascer os que nele se hão-de construir com lama, sangue e perspiração.

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5.3.11

Passeio Público

(Coisas sérias)

Anedotas há muitas, umas boas e outras más – não é isso que interessa. Esta que vos desejo relatar é triste, porque próxima de uma certa percepção popular da realidade, mas definitivamente reveladora de um modo de agir menos raro do que seria desejável. É mais ou menos assim.

No Município X, o presidente da Câmara planeia construir uma piscina municipal. Naturalmente, acciona um concurso público ao qual concorrem empreiteiros de diferentes nacionalidades. Especificamente, um inglês, um francês e um português (onde é que o/a leitor/a já ouviu isto?). O inglês propõe-se fazer o trabalho por cento e cinquenta mil euros. O francês disponibiliza-se para realizar a empreitada por cem mil euros. Finalmente, o português oferece-se para construir a piscina por trezentos mil euros. O estupefacto autarca convoca o empreiteiro português ao seu gabinete e pergunta-lhe porque é que a sua proposta é tão onerosa, não menos que trezentos mil euros! O empreiteiro contesta: são cem mil euros para mim, cem mil euros para si e cem mil euros para o francês construir a piscina.

Não me interessa muito o humor – ou a falta dele – que esta pilhéria carrega. A anedota – qualquer anedota – procede de um limbo duvidoso, onde se juntam o preconceito, o mau-gosto e as generalizações abusivas. Tudo o resto (o seu peso alegórico) é potencialmente mais interessante. Porque ressuma o choro triste destes tempos, porque sugere outros episódios, verdadeiros e igualmente caricatos.

Não é difícil recapitular a venda tragicómica do edifício dos CTT na Avenida Fernão de Magalhães, em Coimbra. Vendido de manhã por quase quinze milhões de euros à Demagre, revendido à tarde por cerca de vinte milhões à Espírito Santo Fundos de Investimento, SA. A anedota, que já foi caso de polícia, chegou agora à barra dos tribunais. Esperemos que as coisas se tornem finalmente sérias.

(Ontem, 04/02 no Jornal de Notícias)

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Passeio Público

(For why hide my feelings?*)

O que é Coimbra? O que é a Universidade? O que é uma coisa sem a outra? Perguntas embaraçosas, por certo, mas que não estão para além de todas as suposições. É difícil pensar Coimbra sem a Universidade – e o reverso é igualmente exacto. Parece-me, portanto, bastante feliz a formulação de Seabra Santos (a poucos dias de abandonar a reitoria) quando afirma que “a Universidade e a cidade são complementares e indissociáveis”. A frase surgiu na sequência da XIII Semana Cultural da Universidade de Coimbra, que irá decorrer entre os dias 1 e 6 de Março e subsume esse conceito, absolutamente fundamental e axiomático, que define uma cidade em relação a uma instituição, e vice-versa.

Em qualquer ponto da cidade é normal sentir-se a relação jurídica com a Universidade – como se cada rua respirasse através de um pulmão instalado na Alta. Na verdade (e por muito que se diga em contrário), esta relação de sete séculos carrega mais amor que ódio, apesar das esporádicas e expectáveis desavenças conubiais. Coimbra e a Universidade ganham muito através da sua ligação, muito mais que aquilo que perdem, já perderam ou virão a perder. A Semana Cultural é um símbolo dessa união de natureza consubstancial, um momento em que a partilha entre cidade e Universidade é mais intensa, mais visível e relevante.

Durante uma semana irá celebrar-se, não a certeza de uma relação entediada, mas o fulgor da mútua surpresa – é possível que se celebrem inconscientemente sentimentos fortes de pertença e comunhão. Lembram-se do que disse Dido?* Talvez não, ela disse tanta coisa sem ademanes de especial eloquência, aflorando assuntos irrelevantes e, diria mesmo, aborrecidos como a amargura da cigarra no Verão derradeiro. No entanto, a recordação de algumas das palavras de Dido (ou de Virgílio) é necessária e importante. Coimbra precisa de revelar o que sente pela Universidade. A Universidade precisa de revelar o que sente por Coimbra.

(25/02 no Jornal de Notícias)

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19.2.11

Passeio Público

(Vontade de varrer o lixo) Coimbra já foi (diz-se) a terceira cidade do país. Agora é apenas mais uma (entre tantas, algumas mais pequenas e insignificantes que Nazaré, o povoado da Galileia onde viveu Jesus Cristo). A perda é um fim de mundo, descrita como a história possível que deixou de o ser. Aquiles surgiu do outro lado da muralha e desbaratou o que restava de um sonho. Naturalmente, pode julgar-se que a cidade se foi destruindo por dentro, sem que para isso fosse necessária qualquer intervenção de forças alienígenas e mortais. As histórias deste teor são muitas e, desafortunadamente, parecem repetir-se ciclicamente, como se as crises auto-destrutivas devessem alguma coisa à biologia das lampreias. Persiste, é certo, uma vontade pertinaz de sobrevivência. Alguns actores da cidade não se renderam ainda à moleza semântica do “passado glorioso” ou às convicções estultas de alguma contemporaneidade. Os bons exemplos abundam e desses modelos de dinamismo a cidade ainda tem muito a esperar. Por exemplo, estes últimos dias têm sido pródigos em novidades na Universidade de Coimbra. O novo reitor já foi escolhido (Professor Doutor João Gabriel Silva) e a velha Cabra parece nova, depois das remodelações a que foi submetida no último ano. Duas boas notícias – que contam muito, certamente, para a candidatura da Alta de Coimbra a Património Mundial da Humanidade. Felizmente, a Universidade persevera apesar das dificuldades, da evidente nostalgia pelo passado que se resguarda em velhas paredes devolutas.Quão distantes parecem os paradigmas que brotam da Universidade, dos grupos de Teatro, dos Hospitais, dos artistas ou de algumas empresas daqueles que se revelam nas trapalhadas que governam Coimbra. Mesmo assim a cidade não desiste, nem quando deixa de haver vontade de varrer o lixo.

(Ontem, 18/02 no Jornal de Notícias)

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12.2.11

Passeio Público

{Antes da morte}

O pior da vida é que se morre. Mais tarde ou mais cedo morre-se – podemos dizê-lo com a segurança rigorosa de que carecem, por exemplo, os dogmas religiosos ou os orçamentos da nação. Claro que morrer é um passo definitivo lógico, se pensarmos na vida como um ciclo fixo e predeterminado: vivemos, logo morremos. Mas chega de falar da morte, desse local inabitado. Falemos do que vem antes: das alegrias e das misérias, dos poros descerrados pelo sol, das cesuras deste vale de lágrimas.

O que vem antes. Satisfação, sofrimento. Apesar da possibilidade do apocalipse económico, parece-me óbvio que merecemos mais a primeira (a satisfação) que o segundo (o sofrimento). A felicidade não é obrigatória mas devia ser pelo menos uma opção. Para muitos, infelizmente, é apenas uma palavra.

Toda esta elucubração (confesso: um pouco negra) teve origem numa única – e terrível – notícia: “a fome (é mesmo esta a palavra) aumenta nas escolas de Coimbra”. O relato jornalístico não esclarece se esta “fome” é como a “fome em África” ou, de qualquer modo, se está relacionada com a ideia que nós, ocidentais sobrealimentados, temos do que é a “fome em África”. Julgo que não é desse flagelo que se fala, quando se fala de “fome” em Coimbra – mas de outra coisa, quase tão grave como as multidões de subnutridos: fala-se de condições de vida miseráveis, com tendência para piorar.

Onde os políticos vêem uma estatística, nós devemos ver um desastre. Uma criança que necessita de uma refeição escolar para não ter “fome” é um bramido de tristeza; não é um número numa tabela estatística. Representa um país apodrecido – incapacitado pela ganância e pela burrice. Mais interessante que as faces condoídas e mais urgente que a esmola piedosa é a mudança de paradigma económico e social.

{Sexta-feira, 11/02 no Jornal de Notícias}

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4.2.11

Passeio Público

{Dois mundos}
Os mal-entendidos que têm rodeado a cidade de Coimbra, desde o circo do Metro até à renúncia extemporânea de Carlos Encarnação, não sufocam – de todo – o orgulho e a alegria que resultam quer da “inauguração oficiosa” do novíssimo Hospital Pediátrico, quer da visibilidade internacional crescente da venerável Universidade. Uma apreciação rígida destes eventos que vêm marcando a cidade poderá concluir da diferença irredutível entre aqueles que servem a cidade e aqueles que se servem da cidade. Ao fim e ao cabo, talvez seja esta diferença a paradoxal intérprete dos eixos que retesam Coimbra entre o desenvolvimento e a estagnação.
A homérica transferência que ocorreu no último sábado (29 de Janeiro) entre as antigas e as novas instalações do Pediátrico tangeu o acorde maior (a “inauguração oficial” nunca será mais que um ritual de alarde e presunção) de um processo que se arrastou molemente por intérminos anos – bem descritos pela derrapagem dos custos de construção (nada de novo se anuncia debaixo do sol português) ou pela escolha desinspirada do local de edificação (o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha configura um paradigma semelhante mas com a desvantagem dos séculos).
Como é lógico supor, a limpidez desta história transformar-se-á facilmente numa margem esquecida de um corpo. O esquecimento é adequado. As excelentes instalações do novo Hospital Pediátrico, aliadas às reconhecidas capacidades dos seus profissionais de saúde (que transitam do antigo), devem ser as justas características que irão regular as conversas sobre a instituição.
À primeira vista, Coimbra vive imersa num antagonismo ontológico entre frescos que representam a elevação à justiça e a queda na boçalidade. O Hospital Pediátrico e a Universidade mostram-nos objectivamente que é necessário desqualificar aqueles que se agarram aos próprios erros, aqueles que recusam libertar-se do mundo ambíguo das habilidades e mentiras.
{04/02, no Jornal de Notícias}

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Passeio Público

{Tipicamente lusitano}
Neste país conhecem-se tarde as trapalhadas, os equívocos e as malfeitorias que se vão praticando em nome do Estado, como se a realidade vertesse sempre de uma confissão contrita, mas tardia, aos antigos padres da província. Lentamente, vão sendo dados a saber muitos dos processos que contribuíram (na sombra da lei e da ética) para que um país tão pequeno chegasse a ter uma crise económica e social tão grande.
Para a maior parte das pessoas de bem, a Lusitânia é uma antiga província romana, a oeste da Península Ibérica, onde viviam e morriam os audazes lusitanos, nossos putativos antepassados, e cuja capital era Emerita Augusta (a Mérida espanhola). Para uma ínfima minoria de iluminados, a Lusitânia é (ou era, não se sabe ainda muito bem) uma “Associação de Desenvolvimento Regional”, que deveria promover o investimento produtivo e o desenvolvimento social numa vasta região, que engloba dezasseis municípios dos distritos de Coimbra, Guarda e Viseu.
A associação, que existe desde 2002, vai ser dissolvida. O seu legado é parco e obscuro; para além de um ou outro site disfuncional, não se lhe conhecem actividades, programas ou resultados. Da sociedade resta somente um rol de despesas, de dinheiro desperdiçado em projectos espectrais e desígnios sem interesse para a região. Depois da miséria que nos foi dada agora a conhecer (vinte e cinco milhões de euros de fundos comunitários, públicos e municipais gastos não se sabe muito bem em quê) resta-nos a esperança que nada disto voltará a acontecer.
Mas é difícil acreditar nisso. O desperdício de dinheiro é um hábito antigo e enraizado, um fenómeno tipicamente lusitano. É quase a afirmação de uma identidade.
{28/01, no Jornal de Notícias}

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22.1.11

A grande assembleia dos instintos


(El Perro, 1819-23, Francisco Goya, Museo del Prado, Madrid)

No momento em que, depois de um combate, o animal vencido abandona a arena da luta todo o cerimonial do instinto de sobrevivência revivesce: a cabeça desce lentamente, os olhos cobiçam a segurança do solo, a cauda remete-se aos silêncios de entre-pernas. Nessa altura, o animal aproxima-se simbolicamente da casa, do território materno. Por vezes, observa-se um movimento de oscilação em que, subitamente, a agressividade que resta leva a melhor sobre o instinto da fuga. Recomeça então o ritual de esquiva, golpe e mutilação. Isto prova simplesmente que nenhuma luta está definitivamente perdida - pelo menos, se atendermos ao inexistente sentido moral da natureza. Amanhã podemos ser o cão batido que levanta a cabeça e morde.

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11.1.11

Huck Finn

As manhãs ainda são demasiado frias - e o preço do gasóleo nunca é revisto em baixa - mas essas minudências são facilmente ultrapassáveis por períodos prolongados na coberta de casal. O que verdadeiramente me preocupa são os livros que já li, os que ainda hei-de ler, e mesmo aqueles que nunca farão parte do meu pessoalissimo cânone. Preocupa-me a censura dos mullahs aos livros de Paulo Coelho. Eu também os censuro - e de forma veemente - mas partindo de um censor estético privado e não de recomendações ou proibições emanadas por consciências omniscientes supra-individuais. No Ocidente libertado a censura é mais indigna: mutilam-se as palavras de autores mortos, reescrevem-se os seus parágrafos em norma puritana, como se algumas expressões fossem pénis minúsculos de estátuas imperiais. O mundo de Twain, Camões ou Kipling deixou há muito de existir: porquê trocar as suas palavras politicamente incorrectas por merdices anódinas se podemos queimar os seus livros? O crime merece o lume, a luz niveladora dos iluminados.

"Parece que los gitanos y gitanas solamente nacieron en el mundo para ser ladrones: nacen de padres ladrones, críanse con ladrones, estudian para ladrones y, finalmente, salen con ser ladrones corrientes y molientes a todo ruedo, y la gana del hurtar y el hurtar son en ellos como acidentes inseparables, que no se quitan sino con la muerte."
(Cervantes, La gitanilla)

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8.1.11

Melhor seria que os "Guerra" traduzissem o Taras Bulba

Como em manhã chocarrenta de feira, o país divide-se entre os que contam espingardas e os que negoceiam como os ciganos d'antigamente.

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2.1.11

This new keyboard

O ano começa em dor. De barriga, como deveria ser sempre. Culpas divididas pelos caranguejos - comidos com a sofreguidão atávica dos pobres - e pelos copos de vinho de origem mais ou menos desconhecida. O ano começa na sanita e eu não poderia esperar mais, ou melhor, de um início tão glorioso e arrebatador.

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24.12.10

Feliz Natal e isso (sem o palhaço do Pai-Natal)

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16.12.10

Delito de Opinião

13.12.10

Passieo Público

{Atenas, Silicon Valley}
A nossa expectativa convencional sobre a economia é que esta deve assentar – pelo menos nos países mais industrializados – no “conhecimento” e nos seus múltiplos avatares, designadamente naquela nebulosa conhecida por Investigação & Desenvolvimento (I&D). Mesmo que a sombra da I&D seja, de facto, o motor das economias mais desenvolvidas, o exemplo recente da Irlanda mostra que o saber e o conhecimento não são garante de crescimento – para isso é também são necessárias coisas tão básicas como a fiscalização, a regulação ou a transparência dos “mercados”, antropomorficamente preocupados com o lucro e não com o bem-estar dos cidadãos.

O declínio do tecido industrial de Coimbra é por demais conhecido. Ninguém esquece os problemáticos e confusos processos de extinção de diversas empresas da cidade. Contudo, alguns grupos querem melhorar o panorama empresarial de Coimbra: é o caso daqueles que investem uma fatia substancial do orçamento em I&D. De facto, a Biocant, a Bluepharma e o Grupo Critical (Software, Links e Materials) integram o top-25 das empresas nacionais com mais investimento em Investigação e Desenvolvimento. Três lanças em África são melhores que nenhuma.

A “repopulação” do tecido industrial da cidade com este tipo de empresas, bem como as soluções tecnológicas que todos os dias nascem na Universidade de Coimbra, podem ajudar a defender o papel de Coimbra no país e no mundo. Não obstante, a cidade ainda não é Silicon Valley, como alguns pretendem. A propósito, tal comparação faz-me lembrar o monólogo sobre as semelhanças de Monmouth e as cidades clássicas da Macedónia do capitão galês Fluellen, em “Henrique V”, de Shakespeare: um misto de comicidade e provincianismo. A realidade é mais complexa e promete ainda muito trabalho.
{10/12 no Jornal de Notícias}

1.12.10

Passeio Público

{A melhor cidade do mundo}
Coimbra é a melhor cidade do mundo. Já repeti muitas vezes o estribilho, sem ambiguidades ou interrogações. Não há uma efabulação perante os factos mas uma certa facilidade na aplicação automática do afecto irracional. A aplicação conscienciosa de um método científico e racional aos sucessos e vicissitudes conimbricenses não só é impossível como é indesejável – o recurso à crítica sustentada (ergo, construtiva) parece não agradar às “pessoas de bem” e aos restantes capangas do bom-nome da cidade.
Compreende-se, pois, que o comentário diagnóstico passe por maledicência e que a exposição descritiva seja lida como um romance de época. A “Fundação do Esquecimento” (que através de uma passividade tendente ao panegírico acrítico oculta o pó que extravasa cada equívoco ou descuido) recusa as dores da queda, negando-a. Infelizmente, os problemas surgem de novo.
A Biblioteca Joanina, o casario excedendo os acidentes da geografia, a senhora que vende bolos de Ançã, os Hospitais e os jardins, o novo canal de televisão da AAC, os Encontros de Cinema Português ou esse lugar extraordinário que é o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha referem-se, na verdade, a um encanto de dupla natureza: concreto e alegórico. A evidência palpável de algum mérito é polinizada pela sugestão simbólica de grandiosidade criando a cidade irrepreensível de cada um de nós. Sem estômago para a crítica ou o desapego temporário.
Para muitos, Coimbra não é uma experiência criticável. Eu penso o mesmo. Coimbra ainda é a melhor cidade do mundo. A sua história refuta qualquer tentativa de desconsideração. Sob uma forma vigorosa e, como eu considero, suportada pelos factos, é desejável, ainda assim, satirizar e reprovar quem destroça (mesmo sem saber que o faz) um átimo que seja da perfeição que sentimos em cada toque da Cabra.
{26/11 no Jornal de Notícias}

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24.11.10

Passeio Público

{Água da vergonha}

É natural que se tema por um país transformado em cordeiro desorientado, disponível para a auto-imolação, cujo motivo ideal contempla um presente sofrível e pouco mais. Muitos dos problemas do país radicam de uma indiferença histórica – pouco compreensível – perante o património, a herança que parcialmente nos cria e descreve. Não se pode esperar grande coisa do futuro quando se desrespeita o passado.

E qual a melhor palavra para descrever a decisão de deixar submergir a linha do Tua? Ocorre-me, precisamente, o vocábulo «desrespeito». Desrespeito pelo odor espesso da tradição, pela fragilidade da paisagem. O desaparecimento da linha centenária revela ao país (não esqueçamos: multissecular) que lhe resta apenas a fria aceitação da vacuidade. Infelizmente, um desastre assim não se encontra suspenso de um veto. Os homens bons não são suficientes para cegar o olho do erro.

A Universidade de Coimbra (UC), pelo contrário, não mostra receio pelo passado. Procura a identidade em respostas seculares, projectando-se decisivamente no futuro. O dossier de candidatura da UC a Património da Humanidade já foi entregue à Comissão Nacional da Unesco e os sete volumes que a compõem simbolizam outros tantos séculos de história – bem como a expectativa do porvir. A Universidade é reconhecida em todo o mundo – talvez um pouco menos em Portugal, que tantas vezes a despreza (por velha e ultrapassada) sem se dar ao trabalho de a conhecer.

A Universidade de Coimbra deverá ser uma das poucas instituições que sobreviverá ao grande naufrágio português. A pedra sobre a qual assenta é imperturbável. A um passado glorioso corresponderá, certamente, um futuro afortunado. A água da vergonha é um espectro de outros.

{19/11 no Jornal de Notícias}

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Passeio Público

{Luzes apagadas}

Ainda vem longe o fim de Novembro mas já pode dizer-se, com propriedade, que o Natal é todos os dias. Na televisão e nas montras dos centros comerciais, pelo menos. Nas ruas das cidades talvez não. E ainda bem. A ubiquidade precoce da quadra nos processos e discursos de um capitalismo voraz e capcioso (para além de tudo o resto) esvazia-a de significado. Para além disso, não consigo gostar dos paramentos luzidios que enfeitam árvores nas ruas – não consigo gostar, tão-pouco, da árvore de Natal propriamente dita.

Naturalmente, aplaudo a decisão da Câmara Municipal de Lisboa de não montar a desmesurada árvore de Natal no Parque Eduardo VII. A resolução é um arrojo de sabedoria: porque poupa dinheiro aos cofres da autarquia e, sobretudo, porque nos poupa à fastidiosa lengalenga televisiva da “maior árvore de Natal do universo”.

Na realidade, o nosso país parece já não sobreviver sem um certo espírito próprio da época, deprimente, fomentado por temas tão díspares como a árvore gigante, o bolo-rei do Guiness ou o salto de pára-quedas de um senhor trajado como o Pai Natal. As luzes esparramadas à beira das estradas compõem, de forma similar, a atmosfera desse folguedo melancólico. Porém, este ano as circunstâncias são bem diferentes.

A crise económica contundiu as finanças das autarquias e, como tal, a restrição nos gastos com a iluminação de Natal é tão acertada como decente. Em Loures e Palmela não haverá qualquer luz natalícia promovida pelas respectivas Câmaras Municipais. A contenção é o mote também em Oeiras, Amadora, Santarém, Almada, Seixal, Cascais, Beja ou Faro: as reduções variam entre os 25% e os 68%. Em Coimbra, o corte será de apenas 10%. Porque será que isso não me surpreende?

{11/11 no Jornal de Notícias}

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8.11.10

Passeio Público

{Um carro sobre carris}
Os Belle Chase Hotel reúnem-se «para matar saudades» e acicatar a nostalgia dos fãs. Enfim, não surgirá um álbum novo mas alguns concertos com a formação original estão irreversivelmente garantidos. Em termos muito gerais, este será o tema principal nos próximos tempos – a bem-aventurança (com prazo de validade) terá início no próximo dia 12 (Teatro Académico de Gil Vicente, Coimbra).

O infortúnio é axiomático: não é possível habitar indefinidamente num microcosmo musical edénico, incomunicável e reservado. As asperezas da realidade destroem qualquer ensejo de sanidade. A tendência geral é a da perda ou da queda. A crise económica absoluta, que nos açaima tão confiadamente, não coíbe algumas figuras, ditas «com responsabilidade», de revelarem uma índole pouco rigorosa. De forma similar, certas organizações empresariais, com capital maioritariamente público (espaços sensíveis do perene recontro entre a honestidade e a ratonice), acumulam a desdita por inépcia e, em simultâneo, cultivam os terrenos férteis da impudência. Os exemplos são muitos, decerto, mas consideremos apenas o exemplo triste – e tão recente – da despesa com automóveis da Sociedade Metro Mondego (MM).

Asseguro-vos que meu horizonte mental se prolonga para além da MM. No entanto, o martirológio da empresa não cessa de me alvoroçar. Pouco tempo após o anúncio de agregação da MM à Refer, ficamos a saber que os maiorais da administração daquela preferem a BMW às carruagens do “Eléctrico Rápido de Superfície”. Para alguns, chegar à Lousã é fácil. Sabemos agora porquê: os carros parecem ter sido mais valorizados que os carris. É esta a ética empresarial que guia o país para os píncaros do sucesso? Não me parece.

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1.11.10

Passeio Público

{Violência, condescendência}
A violência não é uma saída discreta (ou desejável) para o mar de frustrações que atormenta o tipo humano médio. Perante uma adversidade maior, ou uma discussão veemente, nem sempre é fácil contestar a pulsão ancestral, atávica, implantada nos meandros mais obscuros da nossa mente, que segue preferencialmente a via dos punhos ao invés do caminho dos mansos e das palavras de apaziguamento. Naturalmente, a moral e a lei existem também para contrariar esses caprichos – ou tiranias – da “natureza humana”. Quando caem as muralhas éticas o resultado é, o mais das vezes, assustador.

A fria atenção do mundo aos fenómenos crescentes de violência injustificada nem sequer é surpreendente (afinal, o que interessa verdadeiramente à plutocracia pós-moderna é o frenesim dos mercados); todavia, parece-me importante reflectir sobre situações concretas que justapõem um véu sombrio sobre eventos facilmente descritos como “festivos”.

É o caso da Latada, em Coimbra, e do “imprescindível” episódio de violência que todos os anos aformoseia a festa académica. Um relato prévio, à laia de contexto. Na última Queima das Fitas, durante o Cortejo, assisti desgostado a uma cena de pancadaria digna de filme americano (sem desmerecer Bud Spencer ou Terence Hill), envolvendo uma dezena ou mais de pessoas. Nunca saberei realmente o que se passou naquela tarde de Maio, o que determinou aquela dissonância física, mas recordo bem a apatia de dois agentes da Polícia de Segurança Pública que, naquele momento crítico, desprezaram por inércia a segurança e o público.

Já esta semana, na Latada, o arroubo violento foi similar: foram agredidos cinco estudantes com “navalhas e soqueiras”. Ah!, país de brandos costumes. A segurança privada não viu, a polícia chegou tarde e Miguel Portugal garantiu que o que aconteceu no recinto poderia ter acontecido noutro sítio qualquer (Charles de la Palice abençoaria, seguramente, a lucidez do presidente da DG/AAC). A colossal condescendência das estruturas de poder (no caso, a polícia, a segurança privada e a direcção da AAC) perante a derrocada da razão não é mais do que um sintoma geral de fraqueza da democracia.
{29/10, no Jornal de Notícias}

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Passeio Público

{Pontapear um morto}
Quando jogo no Euromilhões – é cada vez mais raro – só excepcionalmente acerto em mais que uma estrela ou número. Posso confessar, sem mentir, que nunca ganhei mais do que oito ou nove euros no jogo que «faz excêntricos». Também não possuo uma habilidade especial para prever tempestades e muito menos quedas abruptas no mercado bolsista. Enfim, a máscara fulgente do oráculo não combina com a minha personalidade bisonha.

Infelizmente, há muito que adivinhei o terrível destino do Metro na cidade Coimbra. A demissão de Álvaro Maia Seco, presidente da Metro Mondego (MM) e vereador da Câmara Municipal de Coimbra (eleito pelo Partido Socialista), marca de forma indelével o acto final de uma comédia que se transformou irreversivelmente numa tragédia: para Coimbra, mas também para a Lousã, para Miranda do Corvo e para toda a região.

A proposta de Orçamento de Estado para o próximo ano, apresentada na última sexta-feira pelo governo de José Sócrates, determina a obliteração da MM e a sua inclusão na REFER. Na sequência da deliberação governamental, Maia Seco declarou que o projecto do metro ligeiro de superfície foi «ferido de morte» – também o creio. Contudo, não imputo ao actual governo socialista toda a responsabilidade pelo enredo deste reles folhetim. A culpa divide-se forçosamente por mais do que um incompetente.

A MM pisou trilhos dolorosos, e erráticos, modificando constantemente as estratégias que alicerçavam o projecto e tremendo perante os desafios mais insignificantes (quem não recorda as críticas ao traçado do metro por um grupo de “pais preocupados”?). Na realidade, a história do MM encontra-se desde o início (desde 1996!) sob a sombra da cruz. O governo, ao integrar a empresa na REFER, teve o descaramento de pontapear um morto. A iniquidade de uns não desculpa a agnosia de outros.
{22/10, no Jornal de Notícias}

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29.10.10

Apocalipse de João

Os seus pés pareciam de bronze incandescente no crisol, e a sua voz era como o fragor de águas torrenciais.

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20.10.10

Juramento de Hipócrates

Pior do que a automedicação é a automedicação que resulta.

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17.10.10

Passeio Público

{Um recomeço}
Não estava à espera. É o fado dos pessimistas sentimentais. Não esperava que Victor Baptista perdesse as eleições para a presidência da Federação Distrital de Coimbra do Partido Socialista (PS) mas, sobretudo, não esperava que após a contagem dos resultados o deputado socialista jogasse a carta indecorosa do jogo viciado, acusando os apoiantes da candidatura de Mário Ruivo, o novo presidente, da utilização de documentos comprovativos do pagamento de quotas falsos, entre outras irregularidades.

Isto é muito grave, e espantoso; não só porque expõe de forma clara a astenia democrática que caracteriza agora uma fracção dos militantes do PS, especialmente em Coimbra, mas também porque mostra que para alguns tudo serve para ganhar (ou não perder) – até a sugestão de que camaradas do mesmo partido são desonestos.

Em última análise, a possibilidade histórica da democracia está nas mãos de uma capacidade biunívoca para acreditar na justeza dos processos eleitorais. Nas democracias mais “frágeis” (ou nas pseudo-democracias) uma das tentações do(s) derrotado(s) passa quase sempre pela alusão a irregularidades nas eleições, pela tentativa de recondução do desfecho eleitoral a uma circunstância de abuso difuso e programado.

Qualquer súmula moral, motivada pelo rescaldo deste processo, poderá sugerir que o PS de Coimbra tem experimentado um estado de “democracia frágil”. Mas seis votos, apenas, desvendaram uma possibilidade decorosa de redenção, um potencial de raiva e desprezo pelos erros cometidos nos últimos anos, autofágicos e improdutivos. A transformação prometida por Mário Ruivo mensura com precisão o pulsar socialista conimbricense: os valores democráticos talvez não se tenham perdido, talvez esperem apenas pela “jouissance” de um recomeço.
{15/10, no Jornal de Notícias}

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Passeio Público

{Uma árvore, nenhuma}
No Outono gostamos de ver as folhas das árvores precisamente porque caem e cumprem o seu destino de aniquilamento. É possível – mas não desejável – esquecer esses episódios concretos dos dias abreviados de Setembro. Não sei o que se passa com os portugueses e com aquele rancor que, às mãos completas, destinam ao pouco que resta das árvores raquíticas das cidades – não falo sequer do que se passa no Verão, em pinhais interiores e eucaliptais fastidiosos.

Visitamos o bairro novo (aquele género de condomínio privado tão do gosto do eterno pato-bravo) admiramos o cimento e os vidros amplos, mas não vislumbramos áreas verdes, uma árvore séria que se conte. O hospital mais moderno trata bem os seus utentes (os doentes deixaram há muito de existir) mas não admite árvores – um pequeno arbusto, por Deus! – no seu perímetro. As universidades são piores que as norte-americanas em quase tudo; consideremos particularmente a beleza do campus típico da Ivy League (mas não só) durante a “foliage” – em Portugal, os hossanas cantam-se aos calhaus, aos andaimes e à argamassa.

Logo, não nos admiramos quando, em Coimbra e na Lousã, se fala tanto em abater árvores. O desígnio parece sagrado – e imparável. O desvanecimento pacóvio com a estrada alcatroada, nutrido por uma poalha de incúria, ainda aquece os corações do autarca modelo lusitano. Em Coimbra, existe mesmo um parecer da Provedoria do Ambiente e Qualidade de Vida Urbana que considera um verdadeiro «atentado urbanístico» o abate de vinte e quatro árvores na rua João Pinto Ribeiro. A Junta de Freguesia da Sé Nova olhou para o lado, e fez o que lhe competia: deitou abaixo. O mundo e a cidade sobreviverão. O que não faltam são árvores e “maluquinhos” que se prendem a elas, com a vã esperança de as salvar. No fim, ganham os autarcas ajuizados e as ruas bem cimentadas.
{01/10, no Jornal de Notícias}

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9.10.10

Caseiro

É engraçado, ou apenas estúpido (eu acho que é isto), mas «todas» as novelas da TVI dão espaço a pelo menos uma peixeira com inflexão de «Lesbôa» e a um par de «caseiros», ribatejanos das lezírias (o mais das vezes), gente esforçada e honesta mas cuja vida nunca corre demasiado bem. Nada de mais: o enredo ganha mais mostrando essa nossa valente gente, com correcção etnográfica, que fala a santinhos e vive em casas modestas, e nem descura a camisa de flanela aos quadrados - paramento de lei nas vilas provinciais deste nosso rico país. Há já algum tempo que vou ficando, também, mais «caseiro» - pese embora o sobejo da circunvizinhança cultural -, não sei se por inveja dos mais velhos ou por despeito para com os mais jovens. É preciso guardar as conveniências, bem como a saúde, talvez «sonhar com a cauda de um lagarto». Não é necessário reconhecer a alusão.

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8.10.10

Cobertura vegetal

Um dia tinha que acontecer: a chuva regressou, tal como a crina sensata do vento, mas não há quem a receba condignamente.

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7.10.10

Scienza nuova

As pessoas parecem felizes - o FB é só dentes - mas, da maneira que isto está, não há tesão que dure. O certo é que, em todo o caso, e apesar da escuridão que suprime o horizonte, não há quem produza uma solução radical, uma purga ecuménica, que deixe apenas escombros e memórias do que isto é - do que isto foi. Eu não seria mais «feliz» numa «sociedade nova» nem, certamente, mais «adaptado», mas (depois da «grande nivelação») talvez as pessoas - os possessos dos subúrbios - não tivessem que fingir, a todo o custo, que são «felizes» e «adaptados», como sombra de toiro em tarde de lezíria.

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24.9.10

Isto era um homem #1

D’Arcy Thompson, nome do meio Wentworth (facto honesto, poucas vezes indicado nas biografias), o derradeiro polímato, habituou-se a passear as longas (eu diria veterotestamentárias) barbas pelas ruas de St. Andrews com um papagaio pelo ombro, não sei se o esquerdo ou o direito – sendo certo que ninguém ainda se encarregou de desvendar tão irrelevante detalhe, para usufruto nosso e dos vindouros. Dele se conta que poderia ter sido classicista, matemático ou biólogo – como se não pudesse ser isso tudo de uma vez, ou pelo menos classicista de manhã, matemático à tarde e biólogo durante as refeições. A verdade é que D’Arcy não era homem de um só livro (homo unius libri) solitário, único. Não que isso seja um defeito, ou uma falha de carácter: aos homens de uma só mulher única, e.g., costumam aditar-lhe o halo sacrossanto à figura; ressalva-se, ainda assim, a lírica que lhes compõem em balneários masculinos e cafés de aldeia provincial.

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22.9.10

Passeio Público

{Realidade e pipocas}
A beleza produz milagres – se acreditarmos em Gogol – mas só a violência parece criar a sensação de realidade. A violência próxima, a disrupção urgente e fugaz do dia-a-dia, alimenta condições de absurdo em que tudo é tão concreto que, paradoxalmente, lembra a ficção. Quando um grupo de ladrões tenta assaltar as instalações da Prossegur, em Taveiro, a situação é vista por testemunhas, não como um incidente ancorado a uma grave crise económica e social ou como uma manifestação de insegurança crescente, mas como “um filme”. De gangsters, suponho.

Infelizmente, o “filme” nem sequer é muito original. No final do ano passado, um grupo fortemente armado tentou roubar uma carrinha da Esegur que transportava cinco milhões de euros – o assalto falhado ocorreu a poucos quilómetros da zona industrial de Taveiro. Apesar de constituírem actos falhados, estes assaltos provam que a criminalidade violenta possui um palco privilegiado no eixo fundado ao longo da via rápida de Taveiro. O fluxo ininterrupto de crime nesta zona cria uma expectativa de retaliação policial – que todavia parece não germinar.

O planeamento cuidado destes assaltos (bem como a extrema violência a eles associada) configura um tipo de crime pouco habitual no nosso país. Daí à fantasia cinematográfica vai um insignificante – mas perigoso – passo. A ficção conjura a impunidade: a vida imita a arte (pode dizer-se) mas, em todo o caso, não há perdas reais na segunda. Na verdade, não há vítimas a lamentar, ou prejuízos materiais avultados, mas é certo que também não há criminosos na prisão. A polícia (neste caso, a Guarda Nacional Republicana) descobriu os seus carros vandalizados – e descansou na coxia, como se esperasse o recomeço de um filme americano.

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Passeio Público

{Conhecimento mútuo}
Existe uma predilecção moderna pela demagogia – ou, se quisermos, pela manipulação primária dos sentimentos das pessoas, independentemente do seu grau de instrução ou conta bancária. Lêem-se diariamente muitos disparates atribuídos ao presidente francês Nicholas Sarkozy, mas até agora nenhum alimentou tanta celeuma como a sua decisão de expulsar famílias inteiras de ciganos de França. O ambiente em França não é ainda o da Löwenbräukeller, em Munique, durante a década de 1930, mas é revelador de um sentimento quase generalizado que perpassa a fortaleza europeia, um espaço cada vez mais claustrofóbico, recluso e inacessível, abafado pelo véu fétido da xenofobia.

Felizmente (e apesar dos inquietantes dados relativos à percepção que a maioria dos portugueses revela em relação aos indivíduos de etnia cigana) nalgumas regiões da velha Europa as medidas repressivas radicais do Estado francês foram substituídas por programas bem mais inclusivos – que não punem a diferença, nem a transfiguram num bode expiatório. Nesse aspecto, Coimbra é um exemplo. A cidade – através de associações de moradores, de plataformas sem fins lucrativos e, também, da Câmara Municipal – tem promovido iniciativas de conhecimento mútuo entre comunidades, empenhou-se no projecto “Planalto Seguro” e implementou uma conjuntura alternativa de coabitação, no bem sucedido caso do Parque Nómada, ou «Centro de Estágio Habitacional», nos campos do Bolão.

Claro que persistem falhas, e deselegâncias: recentemente, cerca de 70 pessoas de etnia cigana foram «convidadas» a abandonar a zona do Bolão. Depois, num acesso de bondade ingénua que soou antes a boutade, o vereador da Habitação Francisco Queirós, aconselhou aquelas famílias a «irem para o Parque de Campismo». Nestas coisas, faz sempre falta um pouco de bom senso, de educação e de conhecimento mútuo.
{11/09, no Jornal de Notícias}

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30.8.10

Hey ó #2

"Good gracious, Roderick," he said, "did you have a fall?"
"Fall, my foot," said Spode, "I was socked by a curate."
"Good heavens! What curate?"
"There's only one in these parts, isn't there?"
{P.G. Wodehouse, Stiff upper lip, Jeeves, p. 156}

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20.8.10

Hey ó

Rendi-me aos originais, a preço de saldo na FNAC: «Aunts aren't gentleman», «Stiff upper lip, Jeeves» e «Right Ho, Jeeves». Os livros da Cotovia que me perdoem (sou um bom rapaz, católico, respeitador dos mais velhos e quase sempre sóbrio) mas não pude esperar mais. As promessas com tendência para se eternizarem na badana de outros livros não me picam mais o coração. De qualquer forma, Wodehouse, em portugês, só por intermédio do Ernesto Carvalho («O código dos Wooster»). A tradução de Alexandre Soares Silva («Época de acasalamento») é tão chata que quase destrói uma história genial - como todas as do escritor inglês. Fiquem sabendo.

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15.8.10

Passeio Público

{Cortar o mal pela raiz}
Normal, tudo demasiadamente normal. O calor excessivo, a lentidão dos dias, as cinzas que envolvem os montes após os fogos. O Verão habituou-nos a esta miséria consentida de eucaliptos, maus acessos e bombeiros extenuados. Perdem-se homens e mulheres, paisagens, dinheiro e alguma inocência mas reiteram-se os hábitos que favorecem a destruição do que nos é potencialmente mais querido. Uma mulher, um renque de árvores, um

Quando, em Agosto de 2005, o fogo avassalou Coimbra de uma forma tão violenta quanto rara, pensámos que aquela fantasmagoria dantesca era apenas um acidente do destino, remetida para a singularidade de um acaso pouco feliz. Não obstante, se pouco ardeu entretanto em redor da cidade é porque pouco restou para arder depois do grande incêndio que ocorreu há cinco anos.

Mais tarde ou mais cedo, quando a massa florestal for suficiente para que outro incêndio como aquele suceda, a cidade será de novo cercada pelas chamas e, como já é hábito, os responsáveis políticos irão culpar a falta de meios de combate a fogos, a alienação dos incendiários e a resiliência da canícula. Infelizmente, as coisas são mais graves. Os erros estruturais (mau ordenamento florestal, falta de limpeza das matas, inexistência de guardas florestais) acumulam-se desde há muitos anos e o Verão não mostra qualquer misericórdia pelos equívocos dos homens.

No centro da cidade, os problemas são outros mas também afectam a cobertura vegetal: o Parque Dr. Manuel Braga pode ficar sem os seus plátanos, afectados por não menos que três agentes patogénicos, rápidos e letais. É quase impossível imaginar aquele belo espaço sem as suas famosas e generosas árvores, que acolheram sob a sua sombra múltiplas gerações de conimbricenses. Cortar o mal pela raiz – literalmente – parece ser a solução. Mais um microcosmos que se perde.
{Sexta-feira, 13/08, no Jornal de Notícias}

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13.8.10

Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010)


{Nicolas Poussin, 1638-9, Et in Arcadia Ego, Musée du Louvre, Paris}
Poussin talvez julgasse que os pastores cultivam a similitude entre si. Numa imaginação arcádica ou no Namibe parecem os mesmos (irredutíveis, impermanentes, mal-afamados), com os mesmos passos e desencontros, a mesma união centrípeta em redor dos pastos. A sociedade que se estabelece entre os homens e os animais prefigura uma ilusão de harmonia (uma espécie de amanhecer em stacatto) mas, na verdade, é uma desilusão de morte, uma vereda de sacrifício - digna de perdão porque é uma ficção etnográfica (e não uma tourada catalã).
Já não há pastores (o Pato não é um pastor, mas um mero guardador de ovelhas e, se a ocasião lhe é propícia, um seu amante devotado) nem quem os visite.

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Et in arcadia

Iam a eles as criancinhas – agora não, que não o permitem as convenções e a lei – e as moças em idade de morrer, e uma ou outra carmelita com a vocação desfocada. Eram grandes entre os mais pequenos, admirados pela sua sabedoria parca mas eficaz. O seu mundo caía bem cedo na noite, terroso, a picar como o cacto – ninguém percebia o que faziam mas os males apareciam mortos.

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30.7.10

Freeport, Casa Pia & outros monstros do tempo


É natural que os casos mais depressivos do Direito aconteçam sempre duas vezes, uma na literatura e outra em Portugal. «Bleak House» foi escrito pelo demigod Dickens há quase 160 anos e o torpor negro que perpassa o livro (que deveria ser de leittura obrigatória em qualquer curso de Direito) vem-se repetindo nos tribunais portugueses ao longos dos últimos anos, sem sobressaltos ou enfados - como se normais fossem a dilação e a incompetência.

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27.7.10

Passeio Público

{O Metro: outra vez}
Perdi há muito a inocência – infelizmente. Agora sei, por exemplo, que a maior parte dos fenómenos humanos radica de um reticulado múltiplo de causas, e não fermenta no caldo ordenado e bem definido da “causa única”. Por isso, não alcanço a inquietação justiceira de quem pretende imputar ao Governo do Partido Socialista todas as responsabilidades inerentes à actual situação do Metro Mondego.

Um texto recente de Adriano Lucas, director do Diário de Coimbra, é disto exemplo, abraçando por vezes o populismo fácil da oposição mais trauliteira, através de expressões como “acto perfeitamente irresponsável do Governo” ou “nova agressão de José Sócrates”. Esta última frase é extremamente curiosa, porque supõe a existência prévia de outras “agressões” a Coimbra perpetradas pelo primeiro-ministro (nomeadamente a co-incineração em Souselas).

A verdade é que o texto de Adriano Lucas salienta outras circunstâncias interessantes, e justas. Por exemplo: os avultados investimentos que anteriormente se destinaram ao Metro Mondego. Por si só, um fundamento basilar para não deixar esmorecer a obra (também penso assim).
Como é lógico supor, um investimento tão corpulento implica (em teoria) obra consumada – algo que, por muito que me esforce, não consigo discernir. Ao longo dos anos, o Metro Mondego tem vagueado impunemente pelo limbo dos projectos, dos traçados das linhas, das demolições – mas de resto, e em concreto, pouco subsiste deste afã.

A situação deplorável a que chegou o Metro Mondego – a possibilidade real de suspensão permanente das obras – é certamente culpa do Governo, mas não só. As petições e os textos de revolta contra esta circunstância inaceitável para a cidade de Coimbra esquecem os anos de sobranceria e de falta de vontade para resolver os problemas por parte da autarquia conimbricense, entre outros. No final, Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã não podem ficar sem este projecto estruturante. A farsa do Metro prolonga-se há demasiado tempo, e a culpa é de todos nós.
{Sábado, 24/07, no Jornal de Notícias}

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7.7.10

O «cabelo à sardão» é potencialmente emancipatório

4.7.10

La lengua es Roja



A Larissa nunca me convenceu.

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3.7.10

Passeio Público

{Reestruturação dos saberes}
Portugal já abandonou a África do Sul e o campeonato do mundo de futebol. O ketchup de Ronaldo durou pouco (era expectável), a vulgaridade táctica da equipa de Queiroz não convenceu ninguém (a começar por Deco) e os nossos vizinhos carimbaram irreversivelmente o passaporte de um grupo que, afinal, era feito de vedetas de papel (Eduardo e Fábio Coentrão foram as agradáveis excepções/surpresas).

Felizmente, não houve tempo para a depressão se instalar: duas equipas da Universidade de Coimbra (UC) foram campeãs do mundo em robótica, nas categorias de Dança e Busca & Salvamento. Parece um feito pouco extraordinário, se comparado com uma possível vitória na África do Sul, mas mostra que somos bons nalguma coisa – muito bons – e saber isso é importante, especialmente durante o período crítico que o país atravessa.

A investigação que se faz na UC, e noutras universidades portuguesas, garante-nos um nível mínimo de sanidade e orgulho. É, portanto, num contexto favorável que se discute a “reestruturação dos saberes” na mais antiga universidade do país. O processo poderá ter implicações tremendas sobre a estrutura orgânica da instituição, a começar pela eliminação de algumas faculdades (a de Economia, por exemplo), o desaparecimento de uma série de cursos e a migração de outros para unidades novas ou reconvertidas.

Uma instituição académica tão venerável só pode projectar-se decisivamente no futuro se souber adaptar-se – e é óbvio que a UC se adapta bem às mudanças dos tempos, senão já tinha definhado e desaparecido –, se não tiver receio de fazer uma auto-crítica consciente e reiterada. A reestruturação dos saberes da universidade poderá estabelecer um novo paradigma de sucesso e aclimatação, e deve fazê-lo através da crítica construtiva do passado e num contexto de respeito democrático pelas opiniões das mulheres e homens que nela estudam e trabalham.
{Ontem, 02/07, no Jornal de Notícias}

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29.6.10

Leituras apressadas

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26.6.10

Passeio Público

{Tragicomédia}
A crise económica condiciona e atrapalha tudo. Justifica tudo. Enfim, quase tudo. Há muito que o Metro Mondego se enreda em devaneios de jubilado pachorrento, a ver o mundo passar, enquanto à sua volta tudo se desmorona. Os tropeções têm sido tantos, e tão patéticos, que o último acto da comédia não foi propriamente surpreendente. A bem dizer, os cortes no projecto determinados pelo ministro das Finanças e que, no mais amargo dos cenários, podem até comprometer as obras em curso, são apenas mais um prego espetado num ataúde que desde o início parece destinado a uma cova bem funda.

Infelizmente, até as críticas avinagradas de um grupo de pais preocupados serviram no passado como pretexto para emperrar a partida de um projecto que, cada vez mais, celebra o seu desígnio de utopia de papel. Logo, as restrições ao financiamento motivadas pelo Programa de Estabilidade e Crescimento – a razão pela qual não foi aprovado o plano de actividade da Sociedade Metro Mondego na última assembleia da empresa – apenas adensam um panorama que é geneticamente negro.

A renovada demora num projecto que, afinal, ainda não passou disso mesmo, configura uma verdadeira ofensa à cidade de Coimbra e aos concelhos circundantes, que também beneficiarão do metro ligeiro de superfície. Em qualquer um dos cenários sugeridos, a calendarização do metro vai sofrer modificações. Para além disso, perder-se-á muito dinheiro ao optar-se pela suspensão das obras. No final, quem perderá mais irão ser a cidade e os seus habitantes.

Já o afirmei anteriormente, mas não posso deixar de o dizer outra vez: os fiascos reiterados do metro de superfície conimbricense assemelham-se a uma “opera buffa”, a uma farsa que irrita mais do que entretém, a uma verdadeira tragicomédia com um final doloroso.
{Ontem, 25/06, no Jornal de Notícias}

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24.6.10

Uma tradição com 3-5 anos, ou assim


{Hieronymus Bosch, c. 1503-4, O jardim das delícias terrenas: o inferno}

Se é verdade que existem sons demoníacos - eu não creio - um deles é, obviamente, o zurro da da vuvuzela. A corneta de plástico é a pior merda que se inventou nos últimos vinte anos (a TVI não conta) mas havia sido já imaginada por Bosch no início do séc. XVI, milimetricamente colocada num sítio que eu cá sei, e de onde nunca deveria ter saído. Pois que volte depressa para os infernos, com a Galp, a BP e o Sabrosa, mais os chatos que a não tiram das beiças.

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18.6.10

A treta é uma categoria sociológica

Se calhar a sociologia é uma treta, como a antropologia e a medicina ocidental. O mundo é demasiado pequeno para que lhe dêem tanta atenção - alguém deveria dizer isto com todas as l-e-t-r-a-s, uma gaja com tomates, um burro falante, qualquer coisa com meio palmo de cérebro. Desdenhar o essencial, abraçar o supérfluo, foder e depois morrer. Ou o contrário.
As fórmulas são (hão-de ser sempre) uma náusea.

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15.6.10

O «jogo» de Portugal: pelo meio e a dormir

- Descentralizemos! - disse o notário.
- Amplamente! - continuou o conde.
{Gustave Flaubert, Bouvard & Pécuchet, p. 165}

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14.6.10

Passeio Público

{Jardins do Éden}
São coisas que acontecem. Uma pessoa (digamos, um engenheiro ou um responsável autárquico pelo urbanismo) distrai-se e quando se dá por ela os pândegos dos operários já construíram um andar a mais numa série de prédios localizados numa zona central da cidade de Coimbra. Entre reuniões, papelada burocrática, cafés e palavras de desincentivo à fiscalização, há alguém que fareja a tramóia e acaba com a macacada que queria levar os edifícios do empreendimento “Jardins do Mondego” até ao céu, imitando em versão manhosa a história da Torre de Babel.

Basta considerar os principais intervenientes deste capriccio para nos apercebermos de mais um conúbio desventurado dessa santíssima trindade da prestidigitação: autarcas, dirigentes desportivos (versão circunscrita ao futebol) e empreiteiros. Longe de mim afirmar que todos os autarcas, dirigentes e empreiteiros são desonestos: estes são uma minoria que, sem dúvida, mancha a face das três classes – sobretudo daqueles que sempre conduziram a sua vida com a probidade devida ao cargo que desempenham. Todavia, quando se metem gatos desta natureza no mesmo saco, a fábula só excepcionalmente pode ser moral.

Entretanto, decorre o julgamento do presidente da Académica/OAF e ex-director municipal da Administração do Território, José Eduardo Simões, acusado de nove crimes de corrupção, e o enredo adensa-se, muito por causa das ocorrências caricaturais que vão marcando de forma indelével as sessões de julgamento, como a “amnésia” do empreiteiro Fernando Marques dos Santos.

Se tudo isto não passa de um monumental equívoco, ou de mais uma acção pútrida da “santíssima trindade”, cabe ao tribunal decidir. Por enquanto, resta a esperança de que o gato escondido sempre mostra o rabo e que a verdade se há-de apurar. Toda a gente sabe que o Jardim do Éden era um paraíso na terra, apesar da interdição de merendar maçãs; esperemos que os Jardins do Mondego não se tornem no paraíso daqueles que fazem o que querem nas entrelinhas da lei.
{Sexta-feira, 11/06, no Jornal de Notícias}

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2.6.10

Mapa de afectos


Superação & cumprimento.

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30.5.10

Passeio Público

{Boa vizinhança}
As cidades – qualquer cidade – são um milagre porque, apesar de todos os problemas que as abalam e consomem, são ainda assim capazes de sobreviver, de cerrar os punhos e continuar. As paisagens desmesuradas, desfecho pouco subtil de um crescimento mal planeado mas certamente pretendido por autarcas rendidos ao peso da demografia, simbolizam todas as contrariedades do burgo sublimado: culturas pobres e transientes, marginalização e opressão, esquecimento histórico, passividade identitária, omissão relacional.

As cidades vivem uma espécie de derrotismo romântico, em parte assente na combinação de um incitamento, oficial e arrebatado, das relações (através de festivais, de concertos, de arraiais, de mercados de rua, etc.), e de um modo tragicómico para destruir as possibilidades relacionais (através da construção de bairros estrangulados pelo cimento ou da destruição passiva dos centros históricos).

Neste contexto, percebe-se que exista um “Dia Europeu do Vizinho”. É verdade que agora o vizinho, aquele ou aquela que nos é contíguo, é muitas vezes apenas mais um desconhecido. Em Coimbra, uma cidade de dimensão média, a estrutura relacional ainda aguenta as vicissitudes da solidão contundida do crescimento. Naquele dia organizaram-se pequenas festas, trocaram-se elogios entre fumos de churrasco, dançou-se com o vizinho do 2.ºE.

Obviamente, em Coimbra o “vizinho” é ainda mais do que uma série de metáforas, palmadinhas nas costas e palavras afáveis – encorpadas num só dia, e depois esquecidas. Na Relvinha, em Santa Apolónia ou no Quebra-Costas, a “boa vizinhança” é assunto de ano inteiro e não apenas uma data exclusiva marcada no calendário por algum burocrata de Bruxelas.

Apesar das ciladas próprias da existência, e das manigâncias despreocupadas do poder autárquico, na cidade de Coimbra ainda se sente a presença do «vizinho», o outro próximo com uma saudação risonha ou uma mão do sal que falta à mesa.
{Sexta-feira, 28 de Maio, no Jornal de Notícias}

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25.5.10

Passeio Público

{Nas trevas}
Achamos horrível a cegueira, um purgatório onde não há sugestão de luz e redenção ou, de qualquer modo, um lugar longínquo na memória da nossa imaginação. José Saramago anota esta concepção trágica da “vivência nas trevas” na nossa sociedade, fazendo dizer a uma das personagens do “Ensaio sobre a cegueira» que esta é também viver num mundo onde a esperança acabou.

No fundo, e seguindo de perto o meu amigo Bruno Sena Martins (antropólogo que estuda desde há muitos anos a cegueira, enquanto circunstância ancorada a uma paisagem social e cultural que a exclui e marginaliza), a sociedade pensa e representa a deficiência como uma “narrativa de tragédia pessoal”, um discurso onde as representações culturais sobre a cegueira assumem quase sempre uma dimensão catastrófica e trágica.

O aparecimento de restaurantes que “oferecem” ao cliente a possibilidade de tomarem uma refeição completamente às escuras é um fenómeno curioso, configurando uma variação interessante do velho jogo do “E se eu fosse cego?”. Um jogo onde cada um de nós toma consciência de que a cegueira é indubitavelmente uma tragédia assustadora mas também um jogo em que cada um de nós habita por momentos o mundo do Outro invisual.

Não surpreende, pois, a iniciativa conjunta da Paróquia de São João Baptista (Coimbra) e da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) – a celebração de uma missa às escuras. Mais de uma centena de pessoas, invisuais e visuais, puderam assistir, em igualdade de circunstâncias, à missa no pré-fabricado que serve de Igreja à nova paróquia. É preciso calçar os sapatos do outro para o conhecer melhor, sobretudo quando a alteridade parece tão radical.

O gesto de solidariedade da Paróquia de São João Baptista e da ACAPO não pretendeu certamente lembrar a quem vê o pavor da cegueira, mas mostrar que os invisuais existem e que são iguais a nós: humanos, importantes, visíveis.
{Sexta-feira, 21 de Maio, no Jornal de Notícias}

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17.5.10

Passeio Público

{As flores e os pirómanos}
A Queima das Fitas. Parece tudo igual. A encenação é a mesma, apesar dos actores que se rendem de ano para ano. É preciso procurar a diferença nos pormenores – é na minudência que se esconde a transformação. O Cortejo dominical, os dias multiplicados de festa, a música pouco potável ou os cachecóis vermelhos surgem inopinadamente na paisagem académica conimbricense e dão eco à ínfima metamorfose de um ritual previsível mas esperado com ansiedade pelos estudantes de Coimbra.

O alcatrão, dos Arcos à Portagem, espraia-se por inamovíveis quilómetros, recebe os despojos da embriaguez e do desleixo, testemunha a perda pelo fogo de alguma mensalidade de dedicação, trabalho e assembleia. Não se percebe o destino de tantos carros alegóricos: as chamas da inquietude. Mesmo que algum jornal regional se empenhe na classificação étnica do pirómano (o «incendiário espanhol»), em disposição xenófoba encapotada, a verdade é que os carros já ardiam antes e hão-de continuar a arder – sob o isqueiro de um inconsciente/tolo/selvagem qualquer.

Para além do absurdo, a retórica explicativa vale pouco: os que incendeiam carros em Coimbra não seguem qualquer ideologia, ao contrário daqueles que queimam carros nos banlieues parisienses e que apenas desejam transcender os limites uma sociedade que não os deseja. Que se saiba, o idealismo não é o forte de um «pirómano de Queima», embora na sua mente desassossegada se encontrem o vazio e o nada niilistas. Os pirómanos não ligam à teoria, mas à prática. A teoria arde mal.
Evidentemente, qualquer explicação é, também, uma desculpabilização – mas não é disso que se trata aqui. Sem lenha o fogo apaga-se. É esta a moral de Salomão. As flores de papel que enfeitam os carros da Queima não são essenciais, digo eu, ao bom funcionamento do Cortejo. Sem elas, os pirómanos ficam em casa.
{Sexta-feira, 14 de Maio, no Jornal de Notícias}

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8.5.10

Passeio Público

{A linguagem do progresso}
Li a entrevista que Pedro Vaz Serra, o presidente do Clube de Empresários de Coimbra (CEC), concedeu recentemente ao “Diário de Coimbra” e, apesar da omnipresença de um glossário empresarial demasiado técnico para o meu parco entendimento, simpatizei com o tom geral das respostas – sobretudo porque Vaz Serra parece não ter sucumbido à fantasmagoria apocalíptica da crise que contamina indiscriminadamente a sociedade portuguesa.
Nesse sentido, o dirigente máximo do CEC aponta caminhos e sugere estratégias que sustentem o desenvolvimento da cidade de Coimbra e, lato sensu, de toda a região Centro. As ideias de Pedro Vaz Serra são geralmente boas, mas vagas e superficiais – talvez a paisagem limitada de uma entrevista não admita qualquer tipo de pensamento complexo ou, muito simplesmente, distante dos chavões do “economês”.
É extremamente fácil circunscrever as hipóteses de crescimento económico a noções vagas como “Investigação & Desenvolvimento”: um tema que se integra claramente no princípio da comunicação tecidual, que se repete e propaga de forma acrítica. A linguagem torna-se, necessariamente, pobre e redundante. As palavras de Vaz Serra convocam uma ideia de repetição, de continuidade estática, que subsume a realidade a uma gaveta fátua de poses e estados.
Mesmo assim, a insistência no dueto redentor “Investigação & Desenvolvimento” poderá servir para suprimir, mesmo que lenta e incompletamente, o crónico atraso português, relacionado com as fracas competências dos gestores e trabalhadores, do analfabeto funcional ao doutorado. Os protocolos celebrados com a Universidade e o Politécnico são boas iniciativas, que podem ajudar a preencher o espaço lacunar que medeia a academia do mundo do trabalho, mas são também, e infelizmente, apenas grãos de areia num deserto de indefinições e desorientação.
{Ontem, 07 de Maio, no Jornal de Notícias}

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7.5.10

Procurai a sua face


(George Stubbs, circa 1765, Gimcrack, with John Pratt up, on Newmarket Heath, Fitzwilliam Museum, Cambridge)

Eis um eco do cânone messiânico da perfeição: Gimcrack, o nobre, nascido da paixão de Stubbs. Sente-se a relação jurídica com o cavaleiro (John Pratt); não obstante, o cavalo vem primeiro. Aparentemente, esta comunidade solidária (mas nem por isso) pressupõe um mundo no qual as parábolas excluem o próprio mundo e se regem pela imaginação científica, tensa e nervosa - que ultrapassa nitidamente a realidade. A Lei torna-se Animal, em nada se revoga o horror da encarnação.

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6.5.10

A idiotice

Et incarnatus est.

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3.5.10

Na estrada de Damasco

Sou filho do filho - de novo - apesar dos lobos que ainda esperam o extermínio.

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